Sobre a velhice e o envelhecer: considerações para um tema de redação


A velhice tem sido observada, ao longo dos tempos, por vários vieses. Ora é vista como a fase da sabedoria, da experiência, ora é analisada pelo olhar da decrepitude, do fim da vida, da derrota perante as forças da natureza.

Na literatura, várias são as obras que tratam dessa fase da vida, desde histórias infantis – como a Vovó Benta, do Sítio do Pica-pau Amarelo – até obras adultas – como O velho e o mar, de Hemingway, e os vários personagens de Shakespeare.

“Eu envelhecerei”, esse parece ser o pensamento que se passa na mente das pessoas ao se encontrarem frente a situações em que precisem lidar com algum idoso. De acordo com Jaime Souza, em sua obra Asilo para idosos, a velhice do outro se torna uma lembrança antecipada da própria velhice e o contato com a pessoa idosa abala as fantasias defensivas que são construídas como muralha contra a ideia de sua própria velhice. Por trás da necessidade obsessiva de acreditar na eterna juventude e rejeitar a face da velhice, encontra-se um certo desejo inconsciente de fugir à inexorabilidade das leis da natureza.

Assim, seguindo esse pensamento, o simples fato de conviver com o idoso se torna algo desconfortável à natureza humana, pois a lembrança contínua de que irá envelhecer faz o ser humano sentir a necessidade natural de realizar um afastamento do idoso, ou pelo menos do que ele representa. Neiza Teixeira, em seu artigo a velhice é a prova de que o inferno existe (http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id= 1116), afirma que é na perspectiva de que a morte é a companheira inseparável da velhice que ela é temida. Então, é possível que o descaso com o idoso, o abandono, os maus tratos estejam em parte relacionados com o abalo destas fantasias defensivas de se acreditar na sua eterna juventude.

Segundo Simone de Beauvoir, em sua obra A velhice, a sociedade tem uma atitude dúbia em relação aos idosos, pois ao mesmo tempo em que tenta protegê-los, criando um ordenamento jurídico que preveja e garanta suas necessidades, também encara a terceira idade como um peso político e econômico.

Partindo do pressuposto de que a velhice é um fenômeno biológico e que tem uma dimensão existencial, ou seja, modifica a relação do homem com o tempo e com sua própria história, verifica-se que é a sociedade que determina o papel social do idoso. Uma faceta importante desse papel pode ser interpretada a partir da análise do sistema jurídico vigente em determinada sociedade.

O ordenamento jurídico brasileiro considera como idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta anos), e contém atualmente vários dispositivos visando a sua proteção. As previsões estão dispostas na Constituição Federal de 1988, mais especificamente, na Lei n.º 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e na Lei n.º 10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do idoso.

Com o advento do Estatuto de Idoso, publicado em 2003, o processo de envelhecimento assumiu a categoria de um fato jurídico como um direito personalíssimo, e sua proteção constitui um direito social, indisponível (art. 8.º). Cabe, ao Estado, portanto, implementar políticas públicas que permitam um envelhecimento saudável e digno. (art. 9º).

 Compete à sociedade e ao Poder Público preservar e coibir qualquer violação que venha a afetar a dignidade do idoso em seu processo de envelhecimento, garantindo o exercício da cidadania e a sua participação efetiva na sociedade.

Para muitos, os idosos, por não exercerem mais nenhuma atividade remunerada, representam um fardo econômico. Por representarem a morte e a degradação física do ser humano, seriam também um fardo social. A ineficácia da norma jurídica que buscaria proteger a sua dignidade seria, portanto, uma das causas do estabelecimento do sentimento de insegurança na sociedade.

Surge, então, um ciclo doentio e vicioso, estabelecido de forma orgânica pela sociedade, onde primeiramente cabe aos indivíduos negarem a ocorrência da velhice e depois, ao vivenciá-la, constatam a sua exclusão social e a ineficácia das normas jurídicas, que seriam responsáveis pela sua proteção.

O que aguarda cada um de nós?

 

Citações

  • O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão. (Gabriel García Márquez – Cem anos de solidão)
  • A miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a uma moça, a miséria de um velho não interessa a ninguém. (Victor Hugo – Os miseráveis)
  • A proclamada sabedoria da velhice não resulta fundamentalmente da experiência acumulada. Resulta apenas do arrefecimento do sangue.(Vergílio Ferreira – Pensar)
  • Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver. (Hermann Melville – Moby Dick)
  • A velhice faz-nos mais rugas no espírito do que na cara. (Michel de Montaigne)
  • Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso. (François Chateaubriand)

 

Temas de redação relacionados:

  1. Envelhecer no Brasil: desafios e esperanças.
  2. Os desafios da transição demográfica no Brasil.
  3. A inclusão dos idosos na sociedade brasileira.
  4. A violência contra os idosos no Brasil.

 

Fontes:

BEAUVOIR, S. A velhice. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional do Idoso – Lei nº. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Disponível em:
http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-socialsnas/cadernos/politica-nacional-do-idoso

FALLER, Jossiana Wilke; TESTON, Elen Ferraz; MARCON, Sonia Silva. A velhice na percepção de idosos de diferentes nacionalidades. Texto contexto – enferm.,  Florianópolis ,  v. 24, n. 1, p. 128-137,  mar.  2015 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072015000100128&lng=en&nrm=iso>.  Acesso em:  10  dez.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015002170013.

FREITAS, Maria Célia de; QUEIROZ, Terezinha Almeida; SOUSA, Jacy Aurélia Vieira de. O significado da velhice e da experiência de envelhecer para os idosos. Rev. esc. enferm. USP,  São Paulo ,  v. 44, n. 2, p. 407-412,  jun.  2010 .  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342010000200024&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  10  dez.  2018.

PAULA, Josinaldo Pereira de; ARAÚJO, Wellington Medeiros. Representação da velhice na literatura brasileira: um estudo do conto “O Grande Passeio”, de Clarice Lispector. Disponível em: <http://www.gelne.com.br/arquivos/anais/gelne-2012/Arquivos/% C3%A1reas%20tem%C3%A1ticas/Literatura/Josinaldo%20-%20REPRE SENTA%C3%87%C3%83O%20DA%20VELHICE%20NA%20LITERATURA%20BRASILEIRA.pdf>. Acesso em:  9 dez.  2018.

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de envelhecer. Organização e tradução de Franco Volpi. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

TEIXEIRA, Neiza. A velhice é a prova de que o inferno existe: será assim (!?)
Disponível em: <http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id=1116>. Acesso em:  9 dez.  2018.

 

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